Ações de valorização devem estar presentes na família, no mercado de trabalho e na sociedade em geral
A população idosa no Brasil está crescendo rapidamente, chegando a quase 20% do total de habitantes do país, de acordo com dados recentes do IBGE. Com os avanços da tecnologia e da medicina, os brasileiros também estão vivendo mais, com uma expectativa de vida de 73,1 anos para os homens e de 80,1 anos para as mulheres.
Mas, mesmo com esse aumento de representação na sociedade, a visão que se tem da pessoa idosa ainda continua com vários preconceitos. Há uma excessiva valorização da juventude e, nesse cenário, muitas pessoas com mais de 60 anos muitas vezes são consideradas frágeis ou incapazes. “A questão do envelhecimento no Brasil é algo recente. Os países desenvolvidos já vêm envelhecendo há mais tempo. Mas aqui está acontecendo mais rapidamente, e a sociedade ainda não está preparada para acolher o idoso. Ainda há o estigma do idoso, da inutilidade, da perda do corpo ideal – o que a mídia e o mercado valorizam é o corpo jovem”, lembra a psicóloga Regina Célia Celibroni, também pesquisadora do envelhecimento humano.
Ela destaca que a atual sociedade ainda é muito baseada na troca dos objetos, do velho pelo novo. “Sempre se fala não sou idoso, não sou velho. Mas se formos sempre nesse sentido, vamos evitar o envelhecimento, adiar. Temos que trabalhar, em discurso, que aguentemos envelhecer. Como diz a música ‘Envelhecer’, do Arnaldo Antunes, ‘a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”’, continua.
Em seu canal no Instagram (@drareginacelia), Regina busca subverter o pensamento contra o envelhecimento e incentivar as pessoas a conhecerem os limites do corpo, sem que isso represente sempre uma doença. “A pessoa mais velha tem desejo, pode amar, namorar, ter projetos na vida. Estamos no momento de ressignificar os estigmas e paradigmas mais antigos. É preciso fazer uma transição, como as mulheres que estão assumindo os cabelos brancos”, diz.
Para ela, estar mais satisfeito e realizado consigo mesma ajuda a pessoa a fazer as pazes com as perdas no corpo, que é marca do envelhecimento. “É preciso se orgulhar do que se fez na vida. Ter coragem de realizar, pagar o preço pelas coisas da vida, isso dá mais satisfação. E, tendo mais satisfação, a pessoa fica mais plena, fica mais bem resolvida. O problema é negar o que acontece, não conseguir encarar. Se continuar esse culto ao corpo jovem, pode vir muita depressão”, continua.
Valorização contra o preconceito
Maritza Pinto Ribeiro, consultora em longevidade da Associação dos Amigos do HC e fundadora da Ágire – Carreiras & Longevidade, lembra que muitos idosos têm preconceitos contra si mesmos, usando muitas vezes frases como “eu sou muito velho para isso” ou “agora tenho que me aposentar e pensar na morte”. “Em termos de mercado de trabalho, enquanto tivermos mão de obra mais jovem, dificilmente as empresas vão se voltar aos mais idosos. A ideia de que velho se joga fora ainda está muito intrínseca. O pensamento corrente é de que idoso é turrão, fica doente e não quer saber de novidade. A sabedoria do idoso ainda não é muito valorizada”, avalia.
Maritza revela que, atualmente, fora do Brasil, está crescendo um movimento chamado Stop Idadismo, para acabar com o preconceito contra as pessoas de mais idade e valorizá-las. No Brasil, também há alguns movimentos que estão crescendo, como o Sou Mais Sessenta e Lab60+, do qual a consultora participa, mas ainda são ações iniciais. “Infelizmente, a mudança de pensamento ainda deve demorar, embora esteja crescendo melhor a percepção sobre o idoso. Ainda há pouquíssimas ações voltadas à conscientização do idoso, ao protagonismo do idoso. A melhora dessa situação depende de muitas ações, com as empresas e associações se voltando mais para os idosos”, diz a consultora, que lembra ainda que a valorização do idoso também pode começar com as crianças, ensinando-as desde cedo que também vão envelhecer um dia.
Ainda é preciso uma valorização mais afetiva do idoso por parte da família, com os filhos pensando no seu próprio processo de envelhecimento, ressignificando para si a ideia de ser um idoso. “É necessário escutar o outro. É importante que os filhos estejam bem emocionalmente para acolher as inseguranças e dúvidas dos pais e não os atacar ou tentar dominar suas vidas, determinar o que eles fazem. Os filhos devem se aproximar pelo diálogo para saber o que o idoso sente, aprender a escutar o que ele precisa”, destaca Regina Célia.
Boa saúde e mercado de trabalho
Maritza Ribeiro revela que levantamentos recentes mostram que muitos de idosos no Brasil têm uma condição ótima de saúde e que poderiam ser melhor aproveitados pelo mercado de trabalho. Ela defende que os idosos devem retomar seu papel em toda a sociedade e não se discriminar. “Hoje, temos de 70 a 75% da população de idosos fortes, robustos, que levam uma vida normal. Mas esse pessoal não é visto, é um preconceito silencioso que temos. Precisamos mostrar para as empresas que os idosos trazem muitos ganhos. Eles não têm a força física, mas tem visão holística e sistêmica melhores, a liderança costuma ser maior, assim como a resiliência, a paciência e o nível de comprometimento. Perceber isso é necessário para mudar os preconceitos”, relata Maritza.
Para ela, outro fator que pode levar a uma maior valorização do idoso é a busca pela intergeracionalidade. “Os jovens vão muito bem na tecnologia. Mas o idoso também deveria participar junto com o jovem e conhecer a tecnologia. Temos que colocar juntas pessoas de 15, 30, 60 e de 80 anos, buscar soluções intergeracionais. Porque a sabedoria é do idoso, ele tem mais experiência, mas o jovem também é importante, pois traz uma nova visão, seja da tecnologia ou dos costumes e conceitos atuais. Os cargos estratégicos devem ser ocupados por pessoas mais experientes em conjunto com os mais novos”, confirma.
